reportagem especial

Pandemia e novo estilo de vida: readequar a rotina alimentar e física para manutenção do sistema imunológico

Mauricio Araújo e Pâmela Rubin Matge

Foto: Pedro Piegas (Diário)

A proposta de que a vida vem sendo diferente desde 2020 é praticamente uma unanimidade. Na esteira dos acontecimentos que se desdobram em meio à pandemia, figuram mudanças no mercado de trabalho, na educação e na relação entre as pessoas. A saúde, porém, ganha contornos de preocupação para além da ameaça da Covid-19. Se, por um lado, a alta incidência de mortes causadas pela doença está relacionada a comorbidades, por outro, a necessidade de manter hábitos alimentares e a prática de exercícios físicos para melhorar a imunidade têm sido urgentes. O comerciante Juliano Scariot da Rocha, hipertenso e diabético, não foi acometido pela Covid, mas se viu na obrigação de mudar radicalmente o estilo de vida. O receio também tem como base o cenário local. Somente em Santa Maria, das 221 mortes associadas a comorbidades (até a última quarta-feira), 117 tinham ligação com doenças cardíacas e 82 com a diabetes. A funcionária pública Eleanara Pereira Guedes não pertencia a nenhum grupo de risco e, quando contraiu o coronavírus, permaneceu por 10 dias na UTI.

Os casos, embora contrastantes, apontam para uma mesma orientação: enquanto a vacina não chega para todos, a prevenção, por meio de protocolos de higiene, e o autocuidado com a saúde são imprescindíveis. Não é momento para relaxar, mas se cuidar.

NINGUÉM É IMUNE

Nesses 11 meses de pandemia, os dados revelam que a maioria das mortes são de idosos acima de 60 anos. Conforme o médico epidemiologista Marcos Lobato, nesta idade é difícil a pessoa não desenvolver algum problema de saúde, mesmo que leve. Naturalmente, explica, a idade avançada deixa o organismo mais frágil e cansado:

- Os jovens se sentem invulneráveis, e a maioria realmente não chega a ir a óbito, mas isso não quer dizer que vai escapar de uma internação ou de uma UTI. E eu garanto que não é nada agradável ficar uma ou duas semanas intubado e inconsciente por causa de medicação.

De acordo com a médica infectologista Jane Costa, pessoas mais jovens estão sendo acometidas com igual ou maior gravidade. As comorbidades relacionadas à Covid-19, destaca a médica, dependem, ainda, da carga viral e do sistema imunológico de cada pessoa. Sobrepeso e diabetes são doenças importantes a serem observadas.

- Os cuidados são iguais para todos. As pessoas não estão se preocupando umas com as outras, e, mesmo assim, estão ficando igualmente graves - diz a médica.


OS CASOS E AS COMORBIDADES RELACIONADAS

Há 11 meses, Santa Maria se fechou por conta do coronavírus e uma nova realidade foi imposta na tentativa de salvar vidas. Infelizmente, 232 perderam a batalha para a Covid-19 e tantas outras, todos os dias, lutam para vencer a doença que assola o mundo inteiro. Conforme os registros divulgados em comunicados oficiais pela prefeitura de Santa Maria, oito pessoas morreram sem registro de nenhuma doença. A maioria das pessoas que morreu no município tinha ao menos uma comorbidade.

De acordo com o levantamento, diabetes, doenças neurológicas e hipertensão são algumas das comorbidades mais encontradas nas vítimas fatais da Covid-19 no município. Ao todo, 82 pessoas que morreram conviviam com diabetes, 61 tinham alguma doença neurológica e 56 eram hipertensas (veja os gráficos).

IDOSOS

De acordo com as informações, 132 homens e 100 mulheres perderam a vida desde o começo da pandemia de coronavírus na cidade. O grupo que mais registrou mortes, conforme o Observatório de Informações em Saúde da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), tem mais de 80 anos.

DOENÇAS CARDÍACAS

Pouco mais da metade das pessoas que foram a óbito em Santa Maria tinha alguma doença cardíaca relacionada. De acordo com os registros, 117 cidadãos morreram com essa comorbidade.

Segundo um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS), a situação representa um retrato da saúde dos brasileiros em geral e traz à tona questões culturais nas quais a atenção primária não recebe o devido cuidado.

No contexto da Covid-19, as comorbidades aumentam o risco de agravamento do quadro do paciente. Para aqueles que não tratavam as enfermidades previamente, a evolução da doença causada pelo novo coronavírus pode ser ainda pior. Segundo especialistas, muitos desses casos poderiam não ter uma evolução tão grave se a pessoa fizesse o tratamento adequado da doença pré-existente.

DOENÇAS - Ocorrências

Doenças cardíacas -117

Diabetes - 82

Doenças neurológicas - 61

Hipertensão - 56

Doença pulmonar - 35

Obesidade - 25

Doença renal - 20

Asma - 14

Imunodepressão/imunodeficiência - 13

Câncer - 7

Doença Hematológica - 6

Doença Hepática - 5

Tabagismo - 4

Depressão - 3

Acamada - 1

Doença Diverticular - 1

Doença inflamatória intestinal - 1

Doença vascular - 1

Hipotireodismo - 1


VÍTIMAS POR NÚMERO DE COMORBIDADES

Comorbidades

1 - 70

2  - 81

3  - 52

4 ou mais - 18

Nenhuma - 8

Não informado - 3


HOMENS - 132

MULHERES - 100


"O MEDO DO VÍRUS ME FEZ PARAR DE FUMAR E A ME CUIDAR MAIS"


Foto: Renan Mattos (Diário)

Ao mesmo tempo que a ameaça da Covid-19 obrigou o comerciante Juliano Scariot da Rocha, 33 anos, a se isolar do ambiente de trabalho e do convívio social, também possibilitou uma abertura fundamental relacionada ao estilo de vida. Diabético, obeso e hipertenso, Rocha também foi fumante por 16 anos. Em abril, largou o vício e passou a inserir a prática esportiva na rotina.

Na empresa do ramo de decoração que ele e outros dois sócios administram, somente um permaneceu na sede. Rocha e outro estão em homeoffice desde março. O contato com os familiares também é restrito. Só acontece em situações pontuais e com todos os protocolos de segurança para evitar um eventual contágio do coronavírus.

- Comecei a fazer atividade física para, caso eu contraísse o vírus, que eu estivesse mais forte. Com orientação do personal, faço caminhada, corrida, exercícios localizados para braços, pernas, ombros, peito e abdominal. Estou em casa desde março. Não fui em mercado nem em restaurante, e só encontro minha família pontualmente. O medo do vírus me obrigou a parar de fumar e a me cuidar mais - relata.

O autocuidado de Rocha se estendeu à esposa, que, por incentivo dele, também passou a acompanhá-lo na prática esportiva. Sentindo-se mais saudáveis, eles esperam o primeiro filho, que deve chegar em agosto:

- Para eu parar agora só se vier a me lesionar. Dia de chuva, eu faço alguma coisa em casa. Desde que comecei a me exercitar, eu sinto a diferença para subir escada, para dormir.


Foto: Renan Mattos (Diário)


Cinco dicas para começar a prática de exercícios físicos na pandemia

  •  Estar assintomático e buscar um médico para uma avaliação antes de começar a atividade física
  • Procurar um profissional da área da Educação Física para fazer um planejamento adequado
  • Optar por espaços ao ar livre ou local em que se sinta mais à vontade
  • Fazer um exercício que goste e que consiga seguir
  • Manter a regularidade e permanecer ativo para melhores resultados a longo prazo

SEDENTARISMO PODE PREJUDICAR O SISTEMA IMUNE

Na fase inicial da pandemia do novo coronavírus, quando diversas informações eram muito controversas, a procura por um serviço de consultoria voltado à corrida foi o que mais chamou a atenção do educador físico Alexandre Tavares, 38 anos, que trabalha na área há 16 anos em Santa Maria. Treinos de força também figuraram entre as atividades mais solicitadas:

- Tivemos uma adesão muito grande. Desde abril, cerca 50 pessoas buscaram o serviço com a justificativa de ser ao ar livre e de forma individual.

Segundo o profissional, a preocupação pode ser justificada já que o estilo sedentário pode prejudicar o sistema imune, o que é fundamental para reduzir as chances de infecções virais. Quanto mais parado se permanece, maior é a chance de ganhar peso, sobretudo, se acompanhado de uma alimentação inadequada. Esse quadro ainda pode aumentar pressão arterial, a glicose e as gorduras no sangue podendo desenvolver doenças cardiovasculares como hipertensão e diabetes, frequentemente associadas aos piores prognósticos das pessoas acometidas pela Covid-19.

- Nosso trabalho é levar para as pessoas o exercício físico mostrando a importância de uma vida ativa e as educando para desenvolver essa rotina tão benéfica neste momento atual. Já alunos que tiveram Covid-19, seguiram o protocolo dos dias de repouso e, só após, seguimos a rotina de treinos. A maioria voltou as atividades normais, mas alguns apresentaram falta de ar e perda de condicionamento cardiorrespiratório - conta Tavares.

TREINAMENTOS

Um dos princípios do treinamento físico, conforme o educador físico, é a individualidade biológica. Cada organismo tem uma resposta para cada tipo de treino e exercício. Além disso, as pessoas têm diferentes anseios, medos, respostas imunológicas, lesões antigas. O mesmo vale para os que forem acometidos pelo vírus. Assim, é preciso estudar cada caso e por meio de uma anamnese e avaliação física poder quantificar o grau de condicionamento de cada pessoa e elaborar o programa mais correto, que vá trazer mais benefícios.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o recomendado para pessoas adultas assintomáticas é de 150 minutos de atividades físicas por semana e de 300 minutos para crianças e adolescentes.


"TROUXE COMO META DE VIDA A MINHA MUDANÇA ALIMENTAR"


Foto: Renan Mattos (Diário)

Pelo fato de trabalhar dentro de uma instituição hospitalar, Eleanara Pereira Guedes, 51 anos, que ocupa um cargo de chefia na Unidade de Apoio Corporativo do Hospital Universitário de Santa Maria (Husm), não levou por surpresa o diagnóstico positivo para o coronavírus em agosto do ano passado. Embora todos os protocolos de higiene adotados desde o início da pandemia, ela e outras duas colegas de setor tiveram a doença.

- Sabíamos que, em algum momento, poderíamos ter. Mas, o que me assustou, foi a evolução da doença. Eu estava bem e, dois dias depois, eu estava em uma UTI - conta.

Considerando-se saudável, a funcionária pública não integrava o denominado grupo de risco e não tinha comorbidades. A rotina acelerada e o hábito de "pular" refeições foram atribuídos, segundo os médicos que a atenderam, como possíveis motivo para fragilizar a imunidade.

- O vírus te coloca diante de uma reflexão profunda em vários aspectos da vida. Para mim, no lado profissional, me levou a pensar como adequar os hábitos alimentares. Porque a gente se dedica tanto ao trabalho que esquece de comer. Onde trabalho, demanda muita atenção, o tempo é corrido, e só agora vejo que preciso parar para comer - lembra Eleanara.

Após a alta, a funcionária pública levou dois meses para se recuperar das dores causadas nas articulações e atravessar um período de ansiedade. Além de exames periódicos, sessões de fisioterapia, as atividades físicas e a reformulação da dieta passaram a integrar seu novo estilo de vida.

- Trouxe como meta de vida a minha mudança alimentar e me obrigo a parar para comer. Por 26 anos, eu almocei em restaurantes e lancheiras, e agora sou eu que preparo meu almoço e faço caminhada todas os dias, isso é prioridade - pontua Eleanara. 

Prevenção além da pandemia

Não existe alimento, nutriente isolado ou suplemento milagroso que evite ou trate a Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. O ideal, segundo Maristela Resch, nutricionista e mestre em Endocrinologia, é estar com a imunidade alta para, caso ocorra a infecção pelo vírus, o organismo tenha uma resposta melhor frente à doença.

Comer bem

A nutricionista chama a atenção que comer bem deve ser uma prioridade. É fundamental que se estabeleça uma rotina de horários e alimentos adequados para cada refeição. Para ela, a palavra-chave é organização:

- Não é perder tempo cuidar da gente e reorganizar a nossa agenda. Não vamos esperar o susto de uma doença para se cuidar, pois a manutenção da saúde se dá a todo tempo e a longo prazo.

ALIMENTAÇÃO EQUILIBRADA


Foto: Renan Mattos (Diário)

A dieta balanceada é sempre o melhor remédio para fortalecer o organismo e alguns alimentos "em conjunto" com uma dieta equilibrada podem ajudar a aumentar a imunidade. Veja:

  • Proteínas - Importantes para a imunidade e reações químicas do nosso organismo. Anticorpos e enzimas são feitos de proteína, que podem ser encontradas na carne vermelha e branca, leite, ovos, feijão, soja, ervilha, grão de bico
  • Zinco - Mineral necessário para o funcionamento adequado do sistema imunológico. O organismo não produz zinco, por isso, são necessárias fontes externas para seu suprimento. Pode ser encontrado em carnes de todos os tipos, principalmente a vermelha, derivados de animais e frutos do mar
  • Magnésio - Tem o poder de aumentar a atividade dos leucócitos (células de defesa). É encontrado nas leguminosas, oleaginosas (nozes, amêndoas, castanhas) e verduras folhosas
  • Selênio - Mineral com um alto poder antioxidante que ajuda a prevenir doenças e fortalecer o sistema imunológico. A principal fonte é a castanha do Pará ou do Brasil
  • Vitamina A - Ajuda a modular a imunidade. É encontrada na natureza em sua forma ativa pré-formada (o retinol) em alimentos de origem animal e também nos carotenoides, que aparecem em vegetais. Está presente em fontes de gordura como queijo e gema do ovo, bem como em vegetais de coloração alaranjada, como mamão, manga e cenoura
  • Vitamina C - A vitamina C é um antioxidante que aumenta a produção de glóbulos brancos, células que fazem parte do sistema imunológico e que têm a função de combater micro-organismos invasores e estruturas estranhas ao corpo. Esta vitamina ajuda a fortalecer o sistema imunológico, deixando o corpo mais forte e menos suscetível a doenças. É encontrada em frutas cítricas como laranja, bergamota, maracujá, limão e abacaxi
  • Complexo B - Fortalecem o sistema imunológico e aumentam o metabolismo, auxilia na formação de tecidos e evita a deficiência de vitaminas. Está presente em carnes, ovos, leite e derivados, cereais, grãos e alguns vegetais de folhas verdes


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